Meu pai tem noventa anos. Há
mais de sessenta morava na casa que ele mesmo construiu. Tem três filhas e
garantiu a cada uma um teto para morar. Ainda ajudou a criar dois netos
recebendo-os num momento de grande precisão.
Quando jovem trabalhou no
DEPREC e embarcado conheceu outros rincões. Mas foi como pedreiro e pintor que
ele realmente fez a sua vida. Trabalhando de sol a sol ajudou a construir
inúmeras casas e conquistou uma clientela numerosa que o requisitava a toda
hora. Para construir, reformar ou pintar lá estava ele sempre pronto.
Nem sempre o seu serviço era
pago em dinheiro porque para muitos a tarefa era feita nos antigos mutirões.
Parentes e amigos o requisitavam em suas necessidades e a paga era na base do
churrasco, da confraternização ou do obrigado.
A cada filha que casava lá
ia tijolo a tijolo erguer o novo lar. Três casas perto uma da outra, garantiria
os laços e o aconchego quando a velhice chegasse.
Mas o tempo foi passando. Aposentadoria,
pouca visão, vigor físico diminuindo e um grande golpe com a viuvez trouxe uma
dependência nunca antes experimentada. O homem forte e trabalhador perdeu vez.
Acender um simples fogão a gás passou a ser tarefa perigosa devido ao
“esquecimento” cada dia mais frequente.
Meu pai passou a almoçar
comigo e voltava para a sua casa levando a janta na marmita. Infelizmente os
problemas só aumentavam. Pressão alta, quedas cada vez mais frequentes e perda
da noção do que acontecia a sua volta.
Não teve outra saída e morar
comigo foi a solução. Mas todos os dias meu pai ia até sua casa, pois basta
atravessar a rua. Abria e fechava as janelas, acendia a luz, olhava a
churrasqueira, sentava em sua velha cadeira de balanço para à tardinha voltar
para o seu novo cantinho. Enfim, uma rotina simples, mas que o mantinha de
posse dos seus bens.
Quando ainda tinha alguma
lucidez, concordou em ceder parte da casa dele para um neto colocar um negócio.
Todos nós achávamos que era uma boa e a concordância foi geral. A casa que
morria pouco a pouco voltaria a ter vida.
Mais ou menos um ano depois
a coisa se complicou. Aquele pedreiro hábil passou a ser um estorvo em sua
própria casa. Sem entender as transformações, baratinava-se entre uma
repreensão e outra. Uma parede nova ou uma janela lacrada lhe atordoavam as
ideias cada vez mais confusas.
Mesmo assim meu pai seguia
em sua procissão ao outrora ninho de amor. Cada vez mais trôpego, mente
fugitiva a se agarrar num lampejo ou outro qual náufrago numa taboa em alto mar.
Mas, há alguns dias numa de
suas visitas à velha casa, suas pernas tremeram além da conta. Num esbarrão num
móvel uma caneca caiu ao chão espatifando-se.
Triste sina de quem tanto
fez por filhas, netos e tantos parentes e amigos. A caneca era de estimação e
estampava o rosto de gente bem mais importante segundo os valores de agora.
Bronca daqui, bronca dali e
o resultado doeu na alma. Tiraram-lhe a chave da casa que ele mesmo construiu.
Parece que era a deixa, o sinal, a oportunidade que queriam para expulsar de
vez o pai e avô que tanto proveu.
Ontem eu acompanhava meu pai
em sua “visita” a casa. Chegou, parou em frente ao portão e enfiou a mão no
bolso para pegar a chave. Que chave? Não tinha chave da casa. Não tinha chave
do portão. Não tinha nada. Esta cena foi demais em mim; daí este desabafo.
É muito triste ver a
angústia de meu pai por não ter mais acesso a sua casa. Sempre que ele me fala
“daquela casa” eu digo: “pai esta casa aqui também é sua. Foi o senhor quem
construiu como as outras”. E tento confortá-lo dizendo que aqui não falta nada
para ele.
Dou graças a Deus porque
meus filhos sempre respeitaram e têm o maior carinho pelo avô. Isto além de
obrigação é gratidão. Afinal, se temos um teto para morar foi com o suor de meu
pai que tudo aconteceu.
As visitas que meu pai faz a
casa dele estão escasseando. O tempo está apagando de sua memória até o nome
daqueles que hoje moram lá. Mas uma pergunta meu pai replica a todo instante:
“Por que eles têm a chave da casa e eu não?”.
Munhoso, abre o link anexo e encontrarás as respostas que procuras:
ResponderExcluirhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Treinadores_do_Gr%C3%AAmio_Esportivo_Brasil