Tchê! Duvido que Dom Antonio Záttera, ao fundar o Instituto de Menores de Pelotas, imaginasse que cincoenta, sessenta, setenta anos depois aqueles garotos internos ainda manteriam os laços fraternos ali adquiridos.
Pois é! Isto ocorre em pleno ano de dois mil e vinte. Dezenas de alunos que passaram por esta bendita instituição reuniram-se para confraternizar e relembrar tempos difíceis é verdade, mas de uma mágica tão abençoada que fica até difícil de acreditar. Só mesmo um lugar santo para ocasionar tamanho fenômeno.
Cento e Quarenta, Mulita, Catarina, Gambá, Fordeco, Muleta Branco, Muleta Preto, Tuna, Purgante, Fornera, Panelinha, Chumbinho, Santa Vitória, Cinderela, Birolinho, Coruja, Paradinha, Serraninho, Marfim, Carnegão, Irmão Metralha, Picolé, Pirulito, Escania, Desmaiado, Gordo, Pisca-Pisca, Sebinho, Patê, Tarzan, Motórzinha, Porquinho, Bocha, Caolhinho, Ferrugem, Barro Vermelho, Gasolina, Toquinho, Surdo, Milho Seco, Mazinha, Rolinha, Dentinho, Boquinha, Bolota, Tatu, Gravatá, Dida, Jundiá, Chinesinho, Tibúrcio, Manda-Chuva, Lagartixa, Cebola, Satanás, Zico, Foguinho e tantos e tantos apelidos nos botavam em pé de igualdade após aquele batizo característico de nosso tempo de moleques.
Este universo era como um selo e poucos conservavam seus nomes originais. Daí Antonio, João, Luiz, Carlos, José, Adão, Valdemar, Edson, Alceu, Geraldo, Francisco, Fernando, Janir, Rogério, Clodoaldo, Vanderlei, Dermogênio, Deloni, Jorge ou Clóvis, mesmo após algumas rusgas, tinham suas identidades forjadas à revelia. Na paz ou na guerra, o certo é que este novo ser nascia temperado para o que der e vier. Poucos refugaram e a prova é este encontro onde a emoção e a lembrança assina cada batida de nossos corações.
O IMP que habita cada um de nós é tudo isto e muito mais. Escola, lazer, esporte, trabalho, alimento, oração e por que não dizer, laço formou os cidadãos que voltam sempre que possível ao ninho que lhes acolheu em tempos de outrora.
Éramos uma família. A princípio, formada ao acaso e por vicissitudes ásperas da vida. Individualmente cada um tinha a sua história, mas no coletivo todos foram contagiados por tudo aquilo que nos marcou e transformou de tal maneira que até hoje nosso coração bate mais forte quando alguém fala nos “Guri do Abrigo”.
Impossível fica falar de todos que doaram suas vidas e trabalharam pelo bem estar do Instituto de Menores e seus internos. Mas humildemente faço uma lembrança aos padres João e Schramme, aos mestres da gráfica Daltro e Dirceu, aos assistentes Robertão e João, às professoras Inaia e Jandira, ao pedreiro Léo, a dona Ema, a dona Deda e à cozinheira Zenira que de tanto me chamar de filho passei a chamar de “Minha Mãe Preta”. Tínhamos tantos pais e tantas mães, todos sob a batuta maior de Dom Antonio Záttera este bispo que, como bem diz o nosso hino “... doou sua existência ao Instituto, ao menor, ao Senhor...”.
“Ele não pesa, é meu irmão” atesta uma vida de luta e acolhimento que não pode cessar nunca e ninguém tem o direito de obstruir ou mesmo dificultar a sequência desta Casa abençoada. Digo isto em especial para os políticos que criam leis e aqueles que as executam porque uma entidade desse porte e dessa qualidade precisa do apoio público para bem suprir seus abrigados em bens material e educacional.
À Mitra Diocesana eu imploro que mantenha de portas abertas o Instituto de Menores, tal qual sempre foi para que ali Deus continue sua presença através de mestres e abnegados neste servir tão necessário aos carentes que lá procuram uma oportunidade de crescimento espiritual e sobrevivência.
Este 11º Encontro dos Ex-Alunos do Instituto de Menores de Pelotas é um dia de festa, de alegria, de abraços, de recordações. Mas também é um testemunho do quanto o IMP foi importante em nossas vidas. Esta Casa cumpriu e cumpre com galhardia a tarefa abraçada por Dom Antonio Záttera e impossível fica mensurar quantas crianças por aqui passaram e nós hoje apenas somos a prova viva da grandeza dessa obra.
Se “no nosso tempo” a acolhida foi divina, hoje não ficou por menos. Já na véspera do Encontro as portas do Colégio foram abertas. E vários daqueles que eram os garotos abrigados repousaram no antigo dormitório numa noite única. Marmanjos dormiram como crianças acompanhadas por lembranças eternas. Oração, silêncio e disciplina era a norma daquela época, mas as conversas e algazarra dominaram até a madrugada num devaneio sem fim.
Pela manhã outros tantos ex-alunos iam chegando felizes pela oportunidade de voltar á sua antiga Casa. As boas-vindas eram dadas pelo padre Marcus Bicalho Rodrigues e a diretora Patricia Dutra Frank num abraço fraterno e com um semblante de felicidade que colocava a todos de imediato na posse do velho Instituto de gratas lembranças.
A cada reencontro um abraço, depois outro, outro numa alegria tão juvenil que nem pareciam cidadãos de cinquenta, sessenta, setenta e até oitenta e tantos anos. Mil palavras ao mesmo tempo disputava aquele momento querendo dizer tudo de uma vez só. Emoção, nó na garganta e lágrimas também comprimiam aqueles corações ávidos por abraçar a cada um como se abraçam verdadeiros irmãos.
No antigo “Pátio dos Operário” o carvão ardia e a carne assava numa reverência ao momento. Tudo em ordem e aos cuidados de Gerson Frank, Joceli e Hélio. Na cozinha Gilcelene, Fernanda e Charlene apresentavam uma variedade de saladas e pudins lindos, gostosos, de dar água na boca. Mesas prontas representavam a confraternização pregada por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Enfim, era hora de sentar-se à mesa. Mas quem diz da conversa cessar? Claro que não! Afinal muitos vieram de longe e há muito tempo não se viam. Além do mais, a cada história relembrada outras tantas afloravam exigindo passagem num desejo inesgotável de reviver momentos tão marcantes.
A tarde já pedia licença quando um alarido chamou a atenção de todos que de imediato acorreram em redor de uma mesa repleta de presentes. Eram brindes a serem distribuídos por sorteio numa iniciativa dos organizadores do Encontro. A cada número cantado um coro festejava o ganhador como se ele próprio fosse o felizardo. Vez por outra uns gritos de “é marmelada!” também se ouvia numa festa própria de quem se conhece há muito tempo.
Enfim, que dia esplendoroso tivemos hoje. Daqueles que lamentamos por terminar. Mas vida que segue. E é justamente esta vida que nos deu a graça de fazer tantos irmãos.
Nosso XI Encontro já é história e a expectativa agora é pelo ano que vem. A experiência de nos reunirmos justamente na Casa que nos criou foi de uma felicidade difícil de explicar.
Agradecemos aos irmãos que organizaram e batalharam para que esta confraternização acontecesse no Instituto de Menores. Aqui realmente “ele não pesa, é meu irmão”. Nossos agradecimentos também ao padre Marcus Bicalho Rodrigues e a diretora Patricia Dutra Frank. Saímos felizes não só por rever os velhos amigos, mas principalmente pela prova de que nosso Instituto de Menores continua pujante e acolhendo tantas e tantas crianças. Numa época em que a destruição da sociedade é algo tão corriqueiro ver um trabalho da grandeza do que o INDAZ faz nos enche de esperança.
Ah! Já está anotado. O próximo encontro também será no “Abrigo” e, conforme promessa do padre Marcus, com a presença da banda de música do INDAZ. Até lá muito, mas muito obrigado meus irmão pelo dia de hoje.
Instituto de Menores, 23 de fevereiro de 2020