domingo, 11 de novembro de 2018

Uma inesquecível noite Xavante

Por Oscar Bessi Filho - www.oscarbessi.com.br - 08.11.2018

Particularmente, foi o presente do ano. Um gol para cada hora de ônibus na estrada. Saí de casa, em Montenegro, quando o sol ainda espreguiçava seus primeiros raios sobre o casario. Encarei uma caminhada do meu bairro até a rodoviária da cidade e embarquei para Porto Alegre. Lá, apanharia o ônibus para Pelotas. Destino? Bento Freitas. Jogo contra o Vila Nova.
– Toda essa mão só pra ver um jogo? – perguntou um amigo.
– Não é um jogo qualquer. É o Xavante.
– Mas… Valendo não cair pra série C?! E se perder? Vai valer todo esse gasto?
– Sempre vale. Nestas horas, torcedor de verdade tem que estar junto.
– Quem te ouve, acha que tá falando de uma final de Libertadores.
– Meu caro. Tem times neste país que disputam uma Libertadores a cada dia só para sobreviver. E são estes os que ainda levam, consigo, a magia do futebol. O jeito do nosso povo. Contra tudo e contra todos, sem as fortunas esbaldadas pela elite. O Brasil de Pelotas está onde está porque merece estar, pela história e pela raça, apenas por si e pela sua torcida, pela paixão que traz consigo há mais de um século. Que se fosse pelos outros, meu amigo, nem existia mais, como muitos times tradicionais do país. Isto só me faz ser ainda mais fiel.
Eu ainda discursei sobre o extermínio dos pequenos clubes, das identidades locais, do quanto o futebol nas cidades poderia ser instrumento contra a violência e etc. Mas não vale a pena detalhar. Fico chato nessas horas, porque fico brabo. No futebol sou um rebelde apaixonado.
Foram quase cinco horas de ônibus e estradas, sem contar as esperas. Gosto de viajar de ônibus. Eu me divido entre ler, anotar algumas ideias para o próximo livro e apreciar a paisagem. E uma hora antes do jogo eu estava lá, na frente do Bento Freitas, imerso entre canções, churrasquinho, chope e um mar de vibrações rubro-negras.
Certo, fui bem cedo e aproveitei para visitar a Feira do Livro de Pelotas. Na Praça Pedro Osório, perto do estádio. Aliás, ainda vou escrever e mostrar aqui no blog sobre o incentivo à leitura no estádio do Brasil. Eu me emocionei ao ver aquele imenso outdoor conclamando a torcida para o prazer da leitura. Golaço, meu time. Golaço!
Fiz o chek-in de sócio na Tribo Xavante, ali na Sete. Aproveitei para fazer mais um pequeno rancho de souvenirs. A garrafa térmica, por exemplo, está linda e meu chimarrão, que já tinha cuia e bomba, agora está completo. O Cristiano, que volta e meia eu incomodo pelo whats com minhas encomendas, estava lá, atendendo a todos com aquela calma, atenção e simpatia de sempre. Olha. Sou um sujeito rigoroso com minhas contas, mas se preciso controlar meu lado consumista, isto só acontece em dois lugares: numa livraria e na loja Tribo Xavante.
A torcida Xavante é única no sul. No meio da festa, eu parecia sentir a presença alegre e robusta do avô materno, pelotense e xavantão que mal conheci, e lamentei que ele não estivesse ali comigo. Mas, através do meu amigo Leandro Gonçalves, pelotense radicado em Montenegro, encontrei o Daniel no estádio. Ou melhor, ele me encontrou, no faro de quem conhece cada canto do Bento Freitas. Foi amizade à primeira vibração. E mais: descobrimos que somos uma dupla muito pé quente!
E em meio a tanta energia boa, o futebol surgiu. O bom futebol. As jogadas de raça e coragem. A entrega. A vontade dos atletas, o talento,  encanto. E cinco gols que foram uma pintura, cada um deles. Poderia até ter sido mais, merecia. Do outro lado, o que até então era uma defesa sólida da equipe goiana ruiu, e um dos melhores times da série B, na briga por vaga à elite da série A, sentiu o calor do caldeirão e se entregou. O Brasil foi muito Xavante na noite desta terça.
No final, Rogério Zimmermann percorria o campo em homenagem à festa da torcida. Ninguém queria sair do estádio. O cara é um mito, sua história com o Brasil é única, e por mais que seja profissional e atue em qualquer clube na longa carreira de sucesso que ainda terá, seu coração jamais deixará de ser boa parte Xavante. Os jogadores já tinham desaparecido na direção dos vestiários e ainda nos acotovelávamos, próximo ao placar eletrônico, para tirar uma foto daquele resultado fantástico. As canções de amor ao time e a batucada não tinham fim.

Que as forças econômicas do Rio Grande do Sul olhem mais para o Brasil de Pelotas. Até porque agora temos um governador do Estado Xavante, nos respeitem! E valorizem este clube. Apoiem. Por tudo o que representa. É diferente ser Xavante, é paixão raiz. Só tenho uma coisa a dizer pra quem achou uma loucura eu viajar tanto (cheguei em casa só no meio da tarde de quarta) apenas para ver um jogo: estar no Bento Freitas, terça à noite, valeu cada centavo e cada hora de estrada. Foi muito além do resultado. E, aconteça o que acontecer, lá esterei ainda muitas vezes na vida.
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Rosa Islabão É lindo o texto mas o que mais me emocionou é saber que tu é natural de Porto Alegre e torce para o Xavante tanto como nós .

Oscar B. Filho Rosa, foi algo bem do acaso. Eu era menino, tinha uns 10 anos, e vi um jogo do Brasil contra o Grêmio. Sabe quando algo te tira do normal? E olha que foi numa telefunken preto e branca. Não lembro que injustiça houve, mas desde aquele dia passei a torcer pelo Brasil. Era um torcer meio tímido, que meu pai apenas achava engraçado e coisa de guri, que passa. Então, uns dois ou três anos depois, veio o jogo que o Renato do Grêmio agrediu um gandula, e simpatia aliada à indignação virou paixão ainda mais aguda. Eu já morava em Montenegro. Tinha um time de futebol de botão que eu mesmo desenhei as camisetas e escudetos. Bom, eu era adolescente e tinha o "Cantinho Xavante" no colégio, 1º ano do segundo grau, junto com meu amigo e hoje diretor de teatro Everton Santos, e minha primeira camisa do Brasil (naquele tempo tudo era complicado e não se encontrava nenhuma na capital) só fui ter com 13 anos. Que minha vó, tadinha, na ânsia de me agradar sabendo minha paixão por ela queimou ao passar a ferro. Até que um dia minha mãe perguntou qual era o motivo daquele amor, eu não sabia dizer, então ela me revelou que o meu avô, Antônio Tavares de Azevedo Filho, que morreu quando eu ainda era pequeno, era pelotense e Xavante apaixonado, assim como toda a família dele que ainda estava na cidade. Bom. Aí é o que é até hoje. O que somos todos nós. Não tem explicação. Nem tem razão. Porque assim são os amores, inexplicáveis, mas maravilhosos. Um abração, minha amiga!


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