Particularmente, foi
o presente do ano. Um gol para cada hora de ônibus na estrada. Saí de casa, em
Montenegro, quando o sol ainda espreguiçava seus primeiros raios sobre o
casario. Encarei uma caminhada do meu bairro até a rodoviária da cidade e
embarquei para Porto Alegre. Lá, apanharia o ônibus para Pelotas. Destino?
Bento Freitas. Jogo contra o Vila Nova.
– Toda essa mão só
pra ver um jogo? – perguntou um amigo.
– Não é um jogo
qualquer. É o Xavante.
– Mas… Valendo não
cair pra série C?! E se perder? Vai valer todo esse gasto?
– Sempre vale. Nestas
horas, torcedor de verdade tem que estar junto.
– Quem te ouve, acha
que tá falando de uma final de Libertadores.
– Meu caro. Tem
times neste país que disputam uma Libertadores a cada dia só para sobreviver. E
são estes os que ainda levam, consigo, a magia do futebol. O jeito do nosso
povo. Contra tudo e contra todos, sem as fortunas esbaldadas pela elite. O
Brasil de Pelotas está onde está porque merece estar, pela história e pela
raça, apenas por si e pela sua torcida, pela paixão que traz consigo há mais de
um século. Que se fosse pelos outros, meu amigo, nem existia mais, como muitos
times tradicionais do país. Isto só me faz ser ainda mais fiel.
Eu ainda discursei
sobre o extermínio dos pequenos clubes, das identidades locais, do quanto o
futebol nas cidades poderia ser instrumento contra a violência e etc. Mas não
vale a pena detalhar. Fico chato nessas horas, porque fico brabo. No futebol
sou um rebelde apaixonado.
Foram quase cinco
horas de ônibus e estradas, sem contar as esperas. Gosto de viajar de ônibus.
Eu me divido entre ler, anotar algumas ideias para o próximo livro e apreciar a
paisagem. E uma hora antes do jogo eu estava lá, na frente do Bento
Freitas, imerso entre canções, churrasquinho, chope e um mar de vibrações
rubro-negras.
Certo, fui bem cedo e
aproveitei para visitar a Feira do Livro de Pelotas. Na Praça Pedro Osório,
perto do estádio. Aliás, ainda vou escrever e mostrar aqui no blog sobre o
incentivo à leitura no estádio do Brasil. Eu me emocionei ao ver aquele imenso
outdoor conclamando a torcida para o prazer da leitura. Golaço, meu time.
Golaço!
Fiz o chek-in de
sócio na Tribo Xavante, ali na Sete. Aproveitei para fazer mais um pequeno
rancho de souvenirs. A garrafa térmica, por exemplo, está linda e meu
chimarrão, que já tinha cuia e bomba, agora está completo. O Cristiano,
que volta e meia eu incomodo pelo whats com minhas encomendas, estava lá,
atendendo a todos com aquela calma, atenção e simpatia de sempre. Olha. Sou um
sujeito rigoroso com minhas contas, mas se preciso controlar meu lado
consumista, isto só acontece em dois lugares: numa livraria e na loja Tribo
Xavante.
A torcida Xavante é
única no sul. No meio da festa, eu parecia sentir a presença alegre e robusta
do avô materno, pelotense e xavantão que mal conheci, e lamentei que ele não
estivesse ali comigo. Mas, através do meu amigo Leandro Gonçalves, pelotense
radicado em Montenegro, encontrei o Daniel no estádio. Ou melhor, ele me
encontrou, no faro de quem conhece cada canto do Bento Freitas. Foi amizade à
primeira vibração. E mais: descobrimos que somos uma dupla muito pé quente!
E em meio a tanta
energia boa, o futebol surgiu. O bom futebol. As jogadas de raça e coragem. A
entrega. A vontade dos atletas, o talento, encanto. E cinco gols que
foram uma pintura, cada um deles. Poderia até ter sido mais, merecia. Do outro
lado, o que até então era uma defesa sólida da equipe goiana ruiu, e um dos
melhores times da série B, na briga por vaga à elite da série A, sentiu o calor
do caldeirão e se entregou. O Brasil foi muito Xavante na noite desta terça.
No final, Rogério
Zimmermann percorria o campo em homenagem à festa da torcida. Ninguém queria
sair do estádio. O cara é um mito, sua história com o Brasil é única, e por
mais que seja profissional e atue em qualquer clube na longa carreira de
sucesso que ainda terá, seu coração jamais deixará de ser boa parte Xavante. Os
jogadores já tinham desaparecido na direção dos vestiários e ainda nos
acotovelávamos, próximo ao placar eletrônico, para tirar uma foto daquele
resultado fantástico. As canções de amor ao time e a batucada não tinham fim.
Que as forças
econômicas do Rio Grande do Sul olhem mais para o Brasil de Pelotas. Até porque
agora temos um governador do Estado Xavante, nos respeitem! E valorizem este
clube. Apoiem. Por tudo o que representa. É diferente ser Xavante, é paixão
raiz. Só tenho uma coisa a dizer pra quem achou uma loucura eu viajar tanto
(cheguei em casa só no meio da tarde de quarta) apenas para ver um jogo: estar
no Bento Freitas, terça à noite, valeu cada centavo e cada hora de estrada. Foi
muito além do resultado. E, aconteça o que acontecer, lá esterei ainda muitas
vezes na vida.
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Rosa Islabão É lindo o texto mas o que mais me emocionou é saber que tu
é natural de Porto Alegre e torce para o Xavante tanto como nós .
Oscar B. Filho Rosa, foi algo bem do acaso. Eu era menino, tinha uns 10
anos, e vi um jogo do Brasil contra o Grêmio. Sabe quando algo te tira do
normal? E olha que foi numa telefunken preto e branca. Não lembro que injustiça
houve, mas desde aquele dia passei a torcer pelo Brasil. Era um torcer meio
tímido, que meu pai apenas achava engraçado e coisa de guri, que passa. Então,
uns dois ou três anos depois, veio o jogo que o Renato do Grêmio agrediu um
gandula, e simpatia aliada à indignação virou paixão ainda mais aguda. Eu já
morava em Montenegro. Tinha um time de futebol de botão que eu mesmo desenhei
as camisetas e escudetos. Bom, eu era adolescente e tinha o "Cantinho Xavante"
no colégio, 1º ano do segundo grau, junto com meu amigo e hoje diretor de
teatro Everton Santos, e minha primeira camisa do Brasil (naquele tempo tudo
era complicado e não se encontrava nenhuma na capital) só fui ter com 13 anos.
Que minha vó, tadinha, na ânsia de me agradar sabendo minha paixão por ela
queimou ao passar a ferro. Até que um dia minha mãe perguntou qual era o motivo
daquele amor, eu não sabia dizer, então ela me revelou que o meu avô, Antônio
Tavares de Azevedo Filho, que morreu quando eu ainda era pequeno, era pelotense
e Xavante apaixonado, assim como toda a família dele que ainda estava na
cidade. Bom. Aí é o que é até hoje. O que somos todos nós. Não tem explicação.
Nem tem razão. Porque assim são os amores, inexplicáveis, mas maravilhosos. Um
abração, minha amiga!
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