História de um Bra-Pel, 32 anos depois
Existem momentos que valem uma existência. Instantes que se grudam à memória como seixos em um córrego, acomodando-se à passagem da água, fazendo-nos sorrir de orelha a orelha, mercê de dionisíacas sensações.
Por outro lado, as recordações tristes também deixam à mente marcas indeléveis, cuja invasão tem a força de tornados. Viver, portando, é estar à balança de sensações boas e ruins, apostando que as prazerosas permaneçam sempre, e as desconfortáveis tenham a consistência de nuvens em lavados céus de verão.
Em 1977, aos 23 anos, vivi inesquecível dia de tristeza. Senti-me como viúvo de noiva jovem. Um 9 de outubro amargo, que será lembrado, talvez, no derradeiro suspiro. Hoje, distante 32 anos do fato, sorriso amargo pendurado à boca, penso que a história foi escrita por um demônio brincalhão, alheio ao sofrimento humano.
No Estádio Bento Freitas, absolutamente lotado, defrontar-se-iam Brasil e Pelotas, no terceiro Brapel consecutivo do Torneio Seletivo envolvendo xavantes e áureo-cerúleos, cujo vencedor disputaria o Campeonato Nacional de 1978.
O primeiro jogo foi disputado no campo do Brasil, vencido pelo Pelotas, gol de Flávio Correia, minutos antes do final da partida.
O segundo encontro da dupla ocorreu na Boca do Lobo, ganho pelo xavante, devolvendo ao áureo-cerúleo o esquálido placar de
Desgraça, aliás, que se confirmaria.
Não sei dizer-lhes a cor do dia. A julgar pelo jeito barulhento como a torcida do Lobão chegara ao Estádio Bento Freitas, quero crer que o dia fora luminoso, céu azul, sol de ouro esparramando-se pelas ruas, tomando conta da arena xavante, onde, mercê de grande entusiasmo, os torcedores do Brasil também coloriam as arquibancadas com suas vibrantes cores.
Jovem, entusiasmado, punho cerrado segurando a bandeira áureo-cerúlea, dirigi-me à arquibancada achando que o Pelotas passaria sobre o Brasil como um rolo compressor.
O prognóstico era esse, pois no último jogo realizado na Baixada, o Lobão matara o Xavante no finalzinho, jogando balde de água fria na torcida rival. Esperava-se que o mesmo sucedesse.
O barulho soava ensurdecedor, as torcidas entoando cânticos de louvor, antecipando emoções, aflições, explosões de ira ou felicidade. Quem viveu àquele dia sabe do que estou falando.
No primeiro tempo, o time do Lobão tivera três ou quatro chances de gol, enquanto o Brasil levara perigo à meta de Nei apenas uma vez.
A torcida azul e ouro, na expectativa de grande vitória, dava cambalhotas imaginárias na arquibancada, encurralando o time xavante em seu campo.
Os torcedores, por seu turno, não menos apreensivos, roíam as unhas dos pés e das mãos, entregues à enorme nervosismo, imaginando suas almas voarem pelo estádio como doidos pássaros.
Bem, como quem não faz, leva, capricho divino tornou o Brapel ainda mais dramático. O estádio inteiro esperava que o Pelotas abrisse o placar. Entretanto, Jaci, o guerreiro, pegou a bola e partiu em direção a Darci Munique, truculento zagueiro do Pelotas, o qual, ferozmente, tentou caçá-lo como se fosse um coelho.
Antes, porém, viu Tadeu Silva em posição privilegiada, endereçando-lhe caramelada bola, impossível de ser recusada. O atacante, cingido pelos deuses, fulminou Nei, abrindo o placar.
O inusitado acontecera. Os torcedores do Lobão, em estado de profunda estupefação, experimentaram no espírito o gosto da frustração, à boca as palavras do rei Lear: “Quem pode me dizer quem sou?” A torcida xavante, por outro lado, em estado de graça, esbugalhou olhos, escancarou gargantas, cujos gritos de entusiasmo ainda ressoam no universo.
Os jogadores do Pelotas, surpresos diante de inesperado gol, apressaram o jogo,
errando passes. Autênticas baratas tontas dentro do campo. O balão, em razão de
estranho sortilégio, ganhara a consistência e peso de chumbo.
A segunda etapa reservaria aos torcedores de ambos os times lances de ópera italiana. Era visível o nervosismo dos atletas e torcedores, eletrificando o Bento Freitas. A sensação era de que qualquer coisa poderia acontecer, decidindo o destino do mais eletrizante dos Brapéis. E, de fato, aconteceu.
Aos 42 minutos, Euclides impediu o gol do Pelotas com a mão, levando o árbitro Luiz Valdir Louruz a marcar penalidade máxima. A torcida xavante viu-se engolindo um iceberg. Os áureo-cerúleos, por outro lado, sentiram-se no céu, aos pés do Criador, ouvindo arpejos divinos.
Era a oportunidade de empatar, forçando um quarto Brapel. O destino, com pruridos de prima-dona, destinava ao time da Avenida Bento Gonçalves inesperado desígnio.
Reza a lenda que Torino pegou a bola, largando-a suavemente à marca do pênalti. O Bento Freitas era um caldeirão cozinhando mudo nervosismo. Ouvia-se o medo e a angústia batendo no peito de xavantes e áureo-cerúleos. Fala-se, inclusive, no som de vísceras alheias.
O atleta, que fora contratado pelo Pelotas para dar qualidade ao meio-campo, observava o arqueiro Nei, impaciente debaixo da goleira.
Uma idéia fixa grudara-se à mente de torcedores xavantes e áureo-cerúleos. Que fado estaria destinado a um ex-jogador xavante, agora vestindo a camisa azul e ouro, prestes a cobrar a penalidade máxima mais importante e inesquecível de sua vida?
Torino correu em direção à bola. O tempo congelou-se. Sentimo-nos feitos de
substância leve, praticamente liquefeitos. Ainda hoje experimento as pulsações
do coração, estourando em meus ouvidos.A segunda etapa reservaria aos torcedores de ambos os times lances de ópera italiana. Era visível o nervosismo dos atletas e torcedores, eletrificando o Bento Freitas. A sensação era de que qualquer coisa poderia acontecer, decidindo o destino do mais eletrizante dos Brapéis. E, de fato, aconteceu.
Aos 42 minutos, Euclides impediu o gol do Pelotas com a mão, levando o árbitro Luiz Valdir Louruz a marcar penalidade máxima. A torcida xavante viu-se engolindo um iceberg. Os áureo-cerúleos, por outro lado, sentiram-se no céu, aos pés do Criador, ouvindo arpejos divinos.
Era a oportunidade de empatar, forçando um quarto Brapel. O destino, com pruridos de prima-dona, destinava ao time da Avenida Bento Gonçalves inesperado desígnio.
Reza a lenda que Torino pegou a bola, largando-a suavemente à marca do pênalti. O Bento Freitas era um caldeirão cozinhando mudo nervosismo. Ouvia-se o medo e a angústia batendo no peito de xavantes e áureo-cerúleos. Fala-se, inclusive, no som de vísceras alheias.
O atleta, que fora contratado pelo Pelotas para dar qualidade ao meio-campo, observava o arqueiro Nei, impaciente debaixo da goleira.
Uma idéia fixa grudara-se à mente de torcedores xavantes e áureo-cerúleos. Que fado estaria destinado a um ex-jogador xavante, agora vestindo a camisa azul e ouro, prestes a cobrar a penalidade máxima mais importante e inesquecível de sua vida?
O balão fatiou o ar, em direção à trave esquerda de Nei, roçando-a de leve, perdendo-se na linha de fundo. O Estádio Bento Freitas, por segundos entregue à mortal silêncio, teve seu dia de Etna.
A explosão irrompeu, dilacerando ouvidos, corpos e almas. Torino, parado, em estado de estupefação, olhava o goleiro xavante ainda encurvado pela responsabilidade de defender sua baliza.
Brasil 1 a
0. A
sorte do Brapel dos Brapéis estava selada. O xavante ganhara em campo a
oportunidade de disputar o tão sonhado Campeonato Nacional de 1978. Os
áureo-cerúleos voltaram para casa roendo pedras, postes e tudo mais que
encontrassem pela frente. Insones, ouviam a festa da taba xavante.
Rubens Filho
Manoel Magalhães
Da equipe do blog www.amigosdepelotashttp://www.amigosdepelotas.com/2009/10/historia-de-um-brapel-32-anos-depois.html
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