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Porto Alegre, 15 de Fevereiro de 2014
Caro Hiltor:
Não sei se terás toda e necessária “audácia” de publicar, uma vez que
mexo em algumas questões que bem sei são do teu conhecimento e que abrangem o
grosso da formação de opinião gaúcha sobre futebol. Mas, embora reconheça tua
isenção, falo assim, porque é meio constrangedor tocar em certos ícones ou
temas tidos como invulneráveis.
Em todo o caso, passo a te citar dez causas do fracasso do interior
gaúcho em termos de futebol, quando comparados com Santa Catarina. Afinal e em
resumo, respondendo a tua própria pergunta: “quem matou o futebol do interior”?
Já fiz estudos sérios e profundos e por isso me julgo em posição adequada para
ajudar a esclarecer:
1. No Rio Grande do Sul, ao contrário de Santa Catarina, não existe o
monopólio de apenas dois clubes sobre todos os demais.
2. A Federação adula a dupla Grenal e desdenha dos interioranos.
3. A Grande Mídia só se envolve com temas que dizem respeito a Grêmio e
Internacional. Os outros clubes só merecem algum destaque quando do confronto
direto com um dos dois “poderosos”.
4. Nesse sentido, sem demagogia, e sem jogar confetes, tua coluna é uma
das raras exceções. Sempre falas sobre os clubes do interior.
5. Os grandes clubes do interior de outrora, principalmente de Pelotas,
Rio Grande e Bagé, que marcaram época e sagraram-se todos campeões gaúchos,
afundaram juntamente com o declínio de sua pujança econômica.
6. Claramente – e isso pode ser paradoxal, mas é fundamental – falta um
jornal gaúcho, tipo “Folha da Tarde Esportiva”, que se dedique ao futebol
gaúcho cotidianamente, valorizando ao que se faz nas principais comunidades que
possuem clubes na Primeira e Segunda Divisão, como se fazia antigamente. Eu que
sou daquele tempo, até como repórter e “correspondente” sei bem do que falo e
da importância de ver o seu time prestigiado dia após dia. Hoje, apenas e nada
mais, são conhecidos os jogadores da dupla Grenal. Ou não?
7. Nesse caso, o Cruzeiro e o São José são tratados como agremiações
“periféricas”, como se pertencessem ao interior. Não pode ser assim. Não é por
aí. A gente nem tem informações – absolutamente nenhuma – da obra do novo
estádio do Cruzeiro. É como se não existisse. Ou não me diga que não.
8. Os campeonatos estaduais deveriam ter um término ou uma limitação,
isso valendo para todos os estados e incluindo os clubes fora das três
primeiras séries nacionais, que já estão devidamente organizadas, numa
competição, a princípio regionalizada, que deveria integrar a nova Série D
brasileira.
9. Sob esse aspecto, a Itália, quase quatro vezes menor do que o nosso
território – ou mesmo mais – bota 60 clubes na Série C e quase 180 na D,
enquanto nós oferecemos vagas, respectivamente, 20 na C (TRÊS VEZES MENOS!!!) e
somente 40 na Série D (Quase CINCO VEZES MENOS!!!). Na Itália, somando as
quatro divisões, quase trezentos clubes estão envolvidos em alguma atividade.
Ou seja: na proporção, clubes de qualquer biboca, de populações de cinco mil
habitantes. Mas, todos têm emprego, desde jogadores, técnicos, massagistas,
roupeiros, porteiros e assim por diante.
10. As “copinhas” não passam de embugação, de falta de criatividade, de
falácias e mentiras.
11. Quando um clube do interior cresce – ou crescia – alguns segmentos
“grenalistas” se eriçam com receio de serem superados. O caso do Juventude com
a Parmalat
12. Por sinal, estou curioso para saber qual a reação pública e midiática
sobre a consistente e promissora parceria que o Juventude está em vias de
firmar. Aqui na cidade, a ciumeira e a dor de cotovelo estão enormemente
recrudescidas…
13. A CBF continua, eternamente, agindo como uma megera, não dando a
mínima para os clubes menores de onde surgem as grandes revelações, além de não
se sensibilizar com o desemprego total, constituindo, ao meu ver, um crime
social.n E o Ministério dos Esportes é omisso e tacanho. Só quer aparecer.
14. Ainda sobre o que concerne aos interioranos gaúchos: a maioria se
entregou, joga a toalha antes do campeonato estadual começar, sabendo que, no
fim de tudo vai dar Grêmio ou Internacional. Aliás, ninguém esquece da frase de
alguns anos passados do senhor Francisco Noveletto: “Final de Gauchão sem a
dupla Grenal não tem graça”
15. Diante das dificuldades espinhosas, das durezas insuperáveis, ninguém
na Capital do Estado, tem ideia de o que ser dirigente de clube do interior. Um
radialista, há muitos anos, rotulava o nosso principal certame de “mau
caráter”, sugerindo e insinuando que os coitados dos jogadores e seus clubes do
interior vendiam suas partidas. Esse mesmo radialista foi chamado por um
congênere da mesma empresa, na época, de “chuteira envenenada”. Eu sei quem é
ele! Tu deves saber, suponho.
16. O Presidente Fábio Koff, quando estava por cima, mas perdia seus
títulos regionais, mesmo originário do interior – chegou a ser técnico do
Atlântico de Erechim, sabias? – debochava sobre o Gauchão chamando-o de
“Ruralito”. É bonito isso?…
17. Todas essas manifestações e outras similares, com o poder de influenciar
a opinião pública, como formadores de opinião, contribuem para o sepultamento
da bela história do futebol gaúcho e suas mais fortes tradições, quando decidir
títulos com o o interior significava respeito e tratamento de dignidade – o que
não mais existe hoje.
18. Sem repercussão na mídia maior, com a lavagem cerebral imposta pela
televisão, é impossível dar qualquer espécie de realce ao futebol fora da dupla
Grenal.
19. Há que se cumprimentar e dar os parabéns para os clubes do interior
que ainda persistem, repletos de problemas, sem a mínima esperança de alcançar
um lugar ao sol. Entretanto, há muitos desses dirigentes que só querem se
mostrar por uma multiplicidade de razões escusas.
20. Sem um órgão da Mídia que possa refletir, diariamente, os afazeres de
cada clube de nosso hinterland – e estou sendo repetitivo, porque isso é de
suma e transcendental importância – como é que o torcedor comum, não importa de
qual agremiação, poderá acompanhar quem é quem. Daí, a minha luta, o meu
empenho, a minha mais ampla torcida para que a “Folha da Tarde Esportiva”,
mesmo que seja, a princípio, em três edições semanais, retorne ao convívio de
todos os que amamos o futebol e somos fanáticos pelos nossos clubes. Clamo e
rogo para que a Rede Record se antene nesse sentido e se dê conta do quanto
isso representaria de ganho para o Rio Grande do Sul esportivo. Não mais se
pode admitir que não se tenha, entre nós, um jornal de futebol, inteiramente
dedicado a todos.
Falta de apoio das “forças-vivas” municipais, especialmente comércio e
indústria.
Jogadores que pedem salários incompatíveis com os cofres dos clubes do
interior
Cotas de TV absurdamente mal distribuídas. Por que para a dupla Grenal
existe uma quantia bem diferente e superior? Logicamente, porque o patamar é
outro, reconhecido por todos. O mesmo critério de proporcionalidade deveria
existir e não, simplesmente, uma repartição idêntica para todos os demais.
Clubes de tradição, com histórico e ranking significativo, deveriam,
forçosamente, receber mais. Exemplos: a dupla CaJU e a dupla BraPel, mesmo
porque os quatro foram campeões gaúchos e, portanto, num outro status. Depois,
viriam, por exemplo, o Novo Hamburgo, o Cruzeiro e o São José, que disputam há
muito mais temporadas do que os demais. E assim por diante. Distribuir
igualmente é prestigiar os “parasitas sazonais” que só jogam três meses, depois
fecham suas portas, podendo, por consequência, pagar salários mais e se sair
melhor na competição estadual. O que é uma baita injustiça. Obviamente, os
clubes que mantêm atividades o ano inteiro DEVEM ser melhores contemplados.
Como irão se sustentar o resto do ano? Aí, eles têm que reduzir seus ordenados,
perdendo em qualidade. E com a perda de qualidade, os mais tradicionais só
tenderão ao fracasso. Essa igualdade não encontra respaldo em nenhum quesito e
são muitos ainda a se levantar. Mas paro por aqui.
Com abraços,
Francisco Michielin
P.S. – Duvido, Hiltor, que alguém tenha um pensamento consciente e
coletivo, tão abrangente e tão completo, além de justo.